Sustentabilidade no turismo: as lentes socioculturais

Beatrice Venturini e Peter Varga (Fotos Divulgação | BCW Global)

*Beatrice Venturini e Peter Varga

Em outubro de 2020, a EHL sediou sua Semana de Sustentabilidade anual com diversos seminários online, atividades e painéis de discussão. Considerando o impacto atual na indústria da hospitalidade e a Covid-19 ainda em andamento em diversos locais do mundo, o tema de turismo sustentável é mais do que nunca um assunto relevante e urgentemente a ser discutido. Sob a direção de Joshua Gan (diretor regional da EHL Ásia-Pacífico), as questões relativas ao aspecto sociocultural do turismo sustentável – seu significado e implementação – foram cuidadosamente discutidas pelos dois palestrantes convidados: Dr. Peter Varga (professor assistente em Sustentabilidade) e Mark Edleson (CEO da Alila Hotels & Resorts).

Definir a palavra sustentabilidade é basicamente seguirmos a definição dada pela Agência de Proteção Ambiental: é a função de criar e manter as condições sob as quais os seres humanos e a natureza podem coexistir em harmonia produtiva, o que permite atender aos requisitos sociais, econômicos e diversos outros pontos das gerações atuais e futuras. Vale ressaltar que a análise da sustentabilidade é frequentemente dividida em três perspectivas principais: social, econômica e ambiental (também conhecida como “pessoas, lucro e planeta”). Ao falar sobre o aspecto social/pessoa, pode-se argumentar que uma perspectiva adicional precisa ser levada em consideração – a da cultura.

Um fator de extrema importância é entendermos o que significa “aspecto sociocultural da sustentabilidade”. O termo, basicamente, se refere, entre outros, a como a comunidade local de um destino turístico que é afetada pela indústria do turismo. Até agora, as estruturas culturais locais foram frequentemente negligenciadas pela indústria do turismo de massa. As perspectivas dos anfitriões desses destinos turísticos devem ser consideradas de uma forma mais sustentável, principalmente no mundo em desenvolvimento.

Muitas dessas perspectivas são normalmente esquecidas por causa da cultura moderna de praia, bares, shoppings, entretenimento local e consumismo. Pouca atenção foi dada às construções de experiências que tragam qualidades, sejam autênticas e culturalmente ricas, beneficiando tanto o anfitrião quanto os visitantes que chegam de todos os lugares do mundo. Como resultado, a maioria dos destinos turísticos de hoje é insustentável devido a vários fatores, como desenvolvimento muito rápido e falta de consideração de parâmetros sustentáveis, como o meio ambiente e as comunidades locais. Se o turismo deve mudar e se tornar mais sustentável, o aspecto da cultura deve ser também levado em consideração.

Quando falamos de cultura no turismo, isso se refere tanto à cultura anfitriã quanto à cultura visitante. O objetivo é criar um ambiente sociocultural harmonioso onde sejam mantidas relações sustentáveis de longo prazo entre todas as partes interessadas nesse mercado. Isso pode parecer excessivamente idealista, mas vale a pena tentar, pelo menos refletir sobre isso nos projetos que envolvam desenvolvimentos turísticos.
Prestar atenção ao meio ambiente agora é mais urgente do que nunca. Apesar das muitas regulamentações trabalhistas e ambientais, poucas são realmente cumpridas. Os operadores de turismo precisam entender que turismo sustentável significa mais do que apenas preservar a bela paisagem de um destino turístico, fazendo com que ele seja frequentemente visitado em diversas temporadas. Significa, por exemplo, respeitar a mentalidade da aldeia, os locais de culto, os sítios agrícolas, tudo o que é essencial para a manutenção e preservação da identidade cultural local. Os operadores precisam se perguntar se o que estão desenvolvendo será benéfico ou prejudicial para os moradores locais. Eles estão procurando promover o turismo de massa ou o turismo de qualidade?

O turismo de massa leva à concentração de terras, estradas mais largas, mais transporte circulando, tráfego, poluição – muitos subprodutos que inicialmente parecem estar gerando empregos e retornos, mas que são prejudiciais e simplesmente não são sustentáveis no longo prazo. A questão hoje é: como preservar o tecido cultural de um destino turístico?

Muitos destinos permanecem intactos socioculturalmente e os empreendimentos que ali estão. A Alila Hotels and Resorts, por exemplo, baseou-se num modelo sustentável desde o seu início e tentou preservar o máximo possível do método original da vida, cultura e natureza locais. Usar construções ecologicamente corretas feitas de materiais locais e incorporar muitas iniciativas sustentáveis, por exemplo, água local engarrafada em potes de vidro reutilizáveis, palhas de bambu, hortas orgânicas no complexo do hotel, composto usado com resíduos do hotel, um ‘saco de presentes’ em cada quarto onde os hóspedes podem deixar tudo o que não querem levar para casa, destinando tudo o que foi coletado para pessoas que precisam e iniciativas de limpeza de praia para funcionários e convidados, são atitudes de extrema importância.

Procurar envolver os locais em atividades turísticas também é uma boa opção, onde eles sempre sejam os beneficiários e que aumentem naturalmente o vocabulário cultural. Uma iniciativa de muito sucesso vinha sido as famílias locais abrindo suas casas para hospedar experiências gastronômicas para os visitantes – tudo isso antes da pandemia da Covid-19. Ajudando assim, a vila a integrar os turistas e ensiná-los sobre a comida e os costumes locais. Esta é uma interação preciosa e autêntica para os hóspedes, bem como uma forma de mostrar respeito aos moradores e desenvolver laços entre todos eles. Alcançar a comunidade com respeito é um passo essencial no caminho para o turismo sustentável.

Em meio a toda essa troca, algumas comunidades mantiveram seus rituais culturais e os transformaram em interessantes polos turísticos, o que é um exemplo de revitalização da cultura. Por exemplo, na África do Sul, a dança Zulu tornou-se uma atração turística chave e, em consequência disso, uma mercadoria para admiradores da arte visual e corporal. Da mesma forma, em outras sociedades indígenas, como na floresta amazônica, as apresentações xamanísticas se tornaram uma mercadoria esperada pelos turistas.

O resultado positivo desta “mercantilização” cultural são seus benefícios econômicos para os anfitriões e também o fato de que os locais mantêm as suas tradições vivas. Outros elementos culturais menos atraentes para o hóspede serão eventualmente desconsiderados. Portanto, espera-se que a cultura anfitriã se adapte ao turismo – mas esta é uma configuração frágil, porque e se o fluxo turístico parar de repente, como durante a atual pandemia de Covid-19? As sociedades locais não devem se tornar muito dependentes do turismo, pois isso as tornam economicamente frágeis diante de calamidades globais inesperadas como a que estamos enfrentando.

Porém, qual é o papel do governo e de todas as partes interessadas? O turismo tem sido frequentemente tratado como uma indústria próspera pelos governos em todos os lugares do mundo, especialmente nos países em desenvolvimento. Como mencionado acima, os stakeholders locais raramente são levados em consideração, ao contrário dos externos (bancos, incorporadores, gestão de expatriados, etc.) que tendem a controlar tudo. Quase pode ser visto como uma forma de neocolonização, onde os stakeholders externos impõem um tipo específico de desenvolvimento ao destino.

O retorno econômico do turismo de massa é considerável, mas pouca atenção é dada ao estresse que isso causa à população local e à sua cultura. Algumas comunidades são muito frágeis diante do turismo de massa, que impacta sua qualidade de vida no dia a dia, tanto no plano tangível quanto no intangível. O turismo de massa pode permitir que os moradores comprem telefones celulares, embora não tenham água encanada em casa.

Esses “desenvolvimentos” estranhos podem gerar um ambiente sociocultural muito desigual no destino. Mesmo em países desenvolvidos (veja Veneza, por exemplo), o turismo de massa ficou tão fora de controle que o bloqueio da Covid foi visto de muitas maneiras como uma “bênção” para o meio ambiente e muitos dos habitantes locais que possivelmente seriam infectados com a chegada de turistas vindo de outros locais do mundo.

O que os governos e turistas podem fazer para obterem melhorias e mudanças eficazes? Os turistas precisam começar a pensar a principal razão por estarem viajando. Há algo profundamente errado com o “por que não?” logo quando encontram passagens aéreas baratas, resultando em alguns dias rápidos passados aqui e ali. A viagem deve se tornar mais significativa. A ideia de viagens mais longas, nas quais o objetivo é explorar e mergulhar em uma nova cultura durante algumas semanas, deve ser promovida quando possível. Os viajantes devem mudar suas expectativas e mentalidade: mostrar mais cuidado com seu destino, pesquisar melhor sobre especificidades culturais locais simples, como gorjetas, código de vestimenta, respeito à cultura local, como conversar com os habitantes locais, entre outras informações importantes. Devemos fazer o nosso melhor para evitarmos retroceder aos tempos pré-Covid e refletir sobre como tornar o turismo mais sustentável.

Ironicamente, a Covid-19 causou alguma desaceleração necessária, com um novo foco no turismo doméstico. Por um lado, a pandemia ajudou a diminuir a ênfase nas coisas materiais, mas, por outro lado, acelerou o desejo por experiências. Portanto, ficamos receosos que ocorra um retorno ao turismo de massa, uma vez que esses tempos restritivos acabem. Muito dependerá se as operadoras de baixo custo ainda estarão em atividade ou não. Mas, essencialmente, cabe a nós, os viajantes, realizarmos mais pesquisas sobre nosso destino e viajarmos com um maior senso de propósito.

É notável que o futuro do turismo depende de quanta atenção prestamos em relação aos aspectos sustentáveis. A atual pandemia não só revelou uma frágil indústria do turismo, mas também mostrou como as partes interessadas e os destinos estão sofrendo com uma situação que, ainda, não tem um ponto final definitivo. Uma mentalidade de planejamento mais sustentável, em todos os aspectos do setor de turismo e viagens, nos permitiria nos preparar para um futuro incerto, mas esperançosamente mais responsável do que o atual momento em que estamos.

*Beatrice Venturini é editora de Conteúdo e Dr. Peter Varga é professor assistente da EHL Advisory Services


Fonte desta matéria:   Panorama do Turismo   www.panoramadoturismo.com.br

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